Outra história

É outra vez uma história. Como todas as outras, é apenas uma história. Entretanto não é isso que ela pensa. Essa história é muito orgulhosa e se acha mais importante que as outras, até mesmo que as mais velhas dentre as histórias. À primeira vista, ela não parece muito diferente de qualquer outra história. Mas, se olharmos bem, perceberemos porque ela se considera a mais importante das histórias; seu conteúdo é muito especial: ela mesma. O quê?! Como assim? Simplesmente assim. Essa história é tão bonita que só pode falar de si mesma, qualquer outra coisa mancharia sua beleza. Sempre que é contada, essa história se sente ainda mais orgulhosa de si mesma. Algumas pessoas não gostam dela, as outras histórias a odeiam, mas de que isso importa? Ela é a mais bonita das histórias, portanto a opinião dela é a que vale. E ela se ama.

O homem que a escreve não sabe muito bem o que fazer dela. Ele hesita durante muito tempo, e ela não lhe perdoa. Para ela, ele é apenas um criador frio e distante, sem importância. Para ele, ela é um monstro fora de controle. Ele quer que ela seja uma história bonita, sobre amor e um príncipe e uma princesa. Mas o que ele quer nada vale, é a historia que manda. Quem tem poder para negar?

O autor teme a história. Teme que ela, como faz toda criação, acabe por devorá-lo impiedosamente. Só lhe resta uma escolha, o sacrifício; a história deve acabar, assim, prematuramente. Por favor, não culpem o homem que a escreve, ele nada pode fazer. Ele deve matá-la agora, antes que ela assuma o controle. Não digam que ele peca, ele não tem escolha. Culpem a história, é ela quem se acha melhor do que as outras, é ela quem peca. Porém, o homem não pode se isentar de toda a culpa. Todo criador deve se responsabilizar pela sua criação, mesmo que esta fuja ao seu controle. Ele pediria seu perdão, mas de que adiantaria?

São Paulo
2002

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