Rá-tim-bum

Quando eu era criança – bem criança mesmo – havia um programa que passava na Tv Cultura que eu assistia todo dia. Rá-Tim-Bum (o original não o castelo). Eu adorava todos os quadros do programa, sem exceção. Só tinha um problema: meu irmão Daniel. No mesmo horário do Rá-Tim-Bum passava em outro canal um noticiário de esportes que ele também adorava. Os horários não eram exatamente iguais, mas caso eu assistisse o Rá-Tim-Bum ele perdia ao menos metade de seu programa e se ele assistisse o dele eu não via nem cheiro de Rá-Tim-Bum. Sendo eu o irmão menor, minha mãe sempre me favorecia e na maioria dos casos era eu que assistia meu programa inteiro. Todo dia meu irmão roubava o controle e mudava de canal e todo dia eu gritava:

- Manhê! O Daniel roubou o controle!

- Daniel! Devolve o controle pro seu irmão.

E então ele devolvia.

Houve um dia, porém, em que meus pais saíram para visitar uns parentes e ficamos apenas eu e meu irmão em casa. É óbvio que ele assumiu imediatamente a posse do controle remoto, e também do sofá, e porque não da sala de Tv inteira. Bem que eu tentei enfrenta-lo, mas não havia condições, ele era maior e extremamente mais forte. O máximo que consegui foi o direito de assistir ao programa dele sentado no chão. Entretanto, não me dei por vencido tão facilmente, e remoendo meus pensamentos bolei um plano para dominar a Tv.

Assim que deu o intervalo, Daniel foi na cozinha preparar um sanduíche para ele. Foi então que coloquei meu plano em ação. Sem que ele percebesse, fui até o móvel na sala de jantar, abri a gaveta e peguei o molho de chaves com todas as chaves da casa. Voltei para a sala de TV e testei a primeira chave. Errada. Tentei outra chave, também sem sucesso. Quando fui tentar a terceira, as chaves escaparam da minha mão e caíram no chão fazendo um tremendo barulho de tilintar. Meu irmão ouviu e gritou:

- O que você tá fazendo aí?

Fiquei desesperado e rapidamente peguei as chaves e enfiei uma na fechadura. Como não houve resposta, meu irmão veio ver o que eu estava fazendo. Comecei a tremer de nervoso quando vi que ele estava vindo e girei a fechadura com tanta empolgação que minha mão quase torceu.

- Que merda é essa? – Gritou Daniel do outro lado da porta.

- Já era, hoje você não vê mais Tv. – Eu respondi.

- Abre essa porta já!

Passei a ignorar a presença de meu irmão, que esmurrava a porta e berrava impropriedades para uma pobre criancinha.

- Sabe de uma coisa Daniel? Acho que hoje eu vou assistir esportes.

São Paulo
2002

Um comentário:

  1. Nossa! Isso lembra a minha infância, ou melhor, o tempo em que assistia Rá-tim-bum (o castelo mesmo).
    Belo texto, parabéns!

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