I

O forno de microondas marcava dois minutos, em contagem regressiva. Todos os dias, eram esses os piores dois minutos; quando aquele jovem ficava parado, em frente ao microondas, observando sua comida girar e girar sob o efeito daquela mágica luz amarela; num ritmo quase hipnótico. O soar do alarme indicou que o almoço já estava quente e retirou o jovem de seu transe. Ele sentou-se na mesa da cozinha e provou seu almoço. Sem gosto, como sempre. Serviu-se então do líquido amarelo que achou na geladeira; dificilmente classificável como um suco de laranja.

Em exatos dez minutos, terminou de comer e deixou a louça na pia para que outra pessoa se preocupasse em lavá-la. Olhou no relógio. Duas e meia. Foi até o banheiro e, na mais mecânica das ações, escovou os dentes sem o menor ânimo. Depois, pegou sua mala, retirou os livros que lhe pareciam desimportantes e em seu lugar colocou outras coisas; talvez menos importantes ainda. Assim que se trocou, saiu do apartamento e desceu a escada, com destino à faculdade.

O caminho para a faculdade era um que ele conhecia bem – inclusive, já o havia percorrido neste mesmo dia, só que no período da manhã, indo para as aulas regulares. Desta vez, ia por outro motivo; precisava fazer uma pesquisa para entregar ainda naquela semana. Tomou seu ônibus e logo estava em frente ao imponente prédio da faculdade.

Subiu três lances da enorme escadaria de madeira. Nas paredes, as altas janelas combinadas com a estratégica localização do edifício propiciavam uma bela vista da cidade. O corredor era amplo e vazio. Ao lado de uma estátua, ficava a antiga porta da biblioteca. Abriu-a. Não era muito grande. Havia duas mesas compridas de madeira e algumas outras menores. Num canto, ficavam quatro computadores; para uso somente de pesquisa. O mais eram prateleiras e livros. Foi até uma das prateleiras e observou-a cuidadosamente a procura de algo. Todos os livros lhe pareciam igualmente chatos e inúteis. Então, sentou-se numa das mesas; de frente para um rapaz lendo jornal. Sabia o que tinha de fazer ali, mas não tinha a menor vontade de começar. Em seu caderno, esboçou um desenho, porém o terrível farfalhar das folhas de jornal não o deixou em paz e nada conseguiu além de rabiscos. Ainda tentou começar seu trabalho diversas vezes, com pouco sucesso.

Acabou por sair horas mais tarde, quando um colega seu passou por ali e lhe ofereceu carona. Do trabalho, tinha apenas algumas anotações e um texto copiado da internet, mas mesmo assim preferiu ir embora a continuar se torturando. Juntou suas coisas e acompanhou seu amigo até o estacionamento da faculdade. Não deu muita importância para a imponência do carro importado de seu amigo, que sutil e indiretamente tentava lhe chamar atenção para o status adquirido. Desiludido por não conseguir falar de seu novo carro novo, seu colega puxou um assunto qualquer e sobre isso conversaram até que o deixou em casa e foi embora pensando em coisas melhores para fazer.

O jovem adentrou seu prédio calmamente; acenou para o porteiro como sempre fazia e, apesar de morar no primeiro andar, pegou o elevador. Ao entrar em casa, se deu conta de que havia perdido quase quatro horas de seu dia. Mas, pensando melhor, concluiu que se ficasse em casa gastaria essas horas na TV – e isso de certa forma seria ainda pior. De qualquer maneira, deitou-se no sofá com o controle na mão e gastou algum tempo procurando algo para assistir. Acabou por levantar-se, deixando a TV ligada em um canal que não desgostava.

Foi em direção ao seu quarto, parando durante instantes no corredor para observar o retrato de sua mãe. Era um belo retrato, o contorno era um tanto quanto impreciso, mas os olhos eram firmes e decididos – como os de sua mãe. Nada encontrou em seu quarto. Então, seguiu para a cozinha, mentindo para si mesmo que ia procurar alguma coisa para comer na geladeira. Até mesmo sentou-se no chão com a porta aberta e ficou observando os potes com diferentes conteúdos enquanto a nuvem de ar frio chegava a sua face. Novamente levantou-se e passou pela sala. De volta ao quarto. Não. Nada. Corredor outra vez. O retrato de sua mãe parecia estranhamente sereno. Quantos anos poderia ter? Nunca a tinha visto tão bela quanto neste retrato. Sua pele, seus cabelos, suas roupas, suas feições... Por um momento teve pena de sua mãe. E então tornou a perambular pelo apartamento. Fez mais duas vezes o trajeto cozinha-sala-quarto-sala-cozinha e se jogou no sofá da sala. Sua mente estava pior que uma feira. Desligou a TV. O ócio o estava matando. Pensou em tentar fazer a pesquisa, ao menos iria se poupar dessa loucura. Não precisou.

Ouviu um ruído de chave vindo da porta e soube que sua mãe havia chegado. Foi para seu quarto antes que ela entrasse e colocou uma música. Nenhum barulho chegou até ele por um tempo, mas, como era inevitável, sua mãe veio ao quarto. “Oi.” “Oi...” “Eu vou fazer uma janta, depois te chamo.” “Tá.” Ela parecia cansada, porém achou estranho ela não ter falado mais nada. Pelo menos a janta já estava garantida.

Absorto na música, quase caiu no sono; voltou a si quando sua mãe abriu a porta do quarto sem dizer nada. Antes de ir comer, foi no banheiro lavar o rosto e olhou-se no espelho. A mesma cara inexpressiva que ele tinha de manhã. Jogou uma água na cara sem esperar algum resultado concreto, apenas para refrescar o ânimo. Na cozinha, sua mãe estava sentada comendo macarronada. Acompanhou-a. A receita era simples e saborosa; comeu a vontade. “Amanhã vou viajar. Volto em uma semana.” disse sua mãe entre garfadas. “Pra onde?” perguntou ele surpreso; fazia quase um ano que sua mãe não viajava. “Nordeste. Vou fotografar algumas coisas lá. Nada de mais, você sabe.” “É...” Continuaram comendo como se a conversa houvesse acabado. Quando terminaram de comer sua mãe falou, “Você vai ficar sozinho essa semana, eu dei folga pra empregada. Tem bastante comida aqui, mas vou deixar um dinheiro caso você precise. Cuide-se enquanto eu estiver fora, não faça besteiras. Vou dormir que eu estou cansada.” deixou o dinheiro na mesa e se fechou em seu quarto. O jovem pensou um pouco sobre o que sua mãe dissera. Talvez, no fundo, ela tivesse alguma razão. Decidiu que ia passar uma semana tranqüila, sem muito agito. Recolheu-se no quarto e ligou sua TV. Dentro de meia hora começaria um programa que ele queria assistir, por isso já deixou a TV no canal certo. Dormiu antes dos intervalos comerciais.

Estava em um lugar que não conhecia. Era à beira de um rio e muito próximo havia uma cachoeira. A água era translúcida e o barulho que a cachoeira fazia era um rumor suave e harmonioso. No ar, podia sentir-se o aroma de diversas flores. Andou em direção a cachoeira e no alto viu uma silhueta contra o sol. Era uma menina certamente, tinha cabelos longos e encaracolados. Tentou gritar “não!” quando percebeu o que ela estava fazendo, mas então ela já tinha pulado. Teve medo por um instante, achou que a havia perdido. Porém, ela surgiu nas águas do rio e ele pôde ver seu rosto. Tinha olhos verdes e penetrantes, e seu sorriso era tão belo, que ela parecia ser parte da natureza do local. “Vem nadar.” Ele deu uma última olhada para o rio e a cachoeira e pulou na água também. Subitamente, sentiu-se muito pesado e lento. Ela riu, “Seu bobo, você tem que tirar as roupas pra nadar.” Só então ele percebeu que ela estava nua. Com alguma dificuldade livrou-se de suas roupas. Mergulhou nas águas do rio e sentiu-se bem como nunca. Não precisava de mais nada. “Vamos apostar uma corrida até o mar.” ela falou. E nadaram. Nadaram, nadaram, nadaram...

Um comentário:

  1. ...quem ganhou a corrida?...
    ...ele conseguiu retomar a pesquisa?...
    ...qual o programa de tv que ele gosta?...
    ...quem era o amigo que lhe deu carona?...
    ...ele conhecia a menina do rio?...
    ...como ela se chama?...

    são algumas perguntas que nao querem se calar...

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