Infanticídio

Somos os imperfeitos, os que devem ser mortos ao nascer
Os que são poupados do sofrimento
Que não são fortes o bastante
Os Sem-nome
Antes da linguagem e do pensamento lá estávamos nós, tortos e medrosos
Pressentindo o mal, venerando deuses obscuros
No primórdio de tudo
E, no entanto, sobrevivemos

Os outros nos teriam por fardos inúteis, erros
Outro mundo nos pertence
Só a ciência nos mantêm e alimenta, a ela somos apegados
Somos a resultante de cálculos impossíveis porque inquantificáveis
Maiores do que a conquista do espaço sideral e mais insignificantes que as imagens que nós mesmos criamos
Um conjunto vazio
E, assim, perduramos

Porém, no fundo de nossas almas, no âmago de nosso ser, somos iguais aos corajosos, aos pretensos perfeitos, grandes guerreiros à nossa maneira
Nossa vigília é constante, nunca se sabe quem é o inimigo, de onde ele pode surgir
A paz não a temos, exceto em arroubos fugazes de paixão
Mas quem a tem ou algum dia a teve a não ser no descanso com o fim de tudo?
Dormimos sonhos de guerra
E, lutando, vivemos

O tempo passa para nós como para todos
Para as árvores e para a terra também, ainda que mais devagar
As árvores, a água, o céu, a chama, as coisas da terra
Todas são mais interessantes do que nós; do que os outros também
E, como sombras ao meio-dia, morreremos

Tudo será como antes no seio do silêncio

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